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A MENTE MORALISTA E A HIPOCRISIA DE APONTAR O DEDO PARA O OUTRO

  • Foto do escritor: Rochelle Jelinek
    Rochelle Jelinek
  • 11 de jan. de 2023
  • 5 min de leitura

Atualizado: 17 de jun.


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O psicólogo Jonathan Haidt a escreveu o livro “A mente moralista” a partir de observações sobre a divisão política democratas/republicanos nos Estados Unidos, e coloca uma série de razões que explicam a divisão naquele país. As ideias apresentadas no livro não são apenas sobre a divisão entre esquerda e direita, e também valem para o Brasil diante da polarização que se vê nos últimos anos, acentuadas nos períodos próximos a eleições, e a outros tantos exemplos políticos como Coréia do Sul X Coréia do Norte, Estados Unidos X China, Israel X Palestina e agora Israel X Irã. As ideias do autor mostram que os vieses cognitivos moldam as ideologias políticas, mas não só: mostram o funcionamento distorcido da mente humana que só vê o que quer ver. São esses vieses inconscientes que despertam e eclodem os conflitos de todo tipo, sejam eles políticos, territoriais, familiares, empresariais, organizacionais, jurídicos.


A mente humana funciona de duas formas: uma “rápida”, instintiva, automática, emocional, e outra “lenta”, racional, reflexiva.[1] A seguinte analogia pode ser usada para compreender a influência dessas duas formas de pensar/agir em no comportamento humano (e que coexistem): o sistema automático seria um cavalo selvagem, enquanto o lado racional seria um condutor em cima dele. Quando o cavalo age instintivamente e sai do controle, não há muito que o condutor possa fazer. Gostamos de pensar que somos seres racionais, mas os estudos de neurociência provam que somos seres 95% do tempo previsivelmente irracionais: agimos a maior parte do tempo movidos pelo instinto e pelo emocional (mas achamos que estamos pensando e agindo de forma lógica e racional!) [2]


A questão central trazida pelo livro é que nossa moralidade (nosso juízo moral e nossos julgamentos) é realizada quase sempre pelo cavalo (pelo instinto e pelo emocional) e não pelo condutor (racional). Os estudos de neurociência já provaram que o ser humano decide (instintiva e emocionalmente) 11 segundos antes de tomar consciência que já decidiu. Esse modo de funcionar da mente humana acaba por reduzir nosso campo de visão racional em relação ao nosso entorno, dificultando o entendimento do todo.


O autor usa a evolução biológica, social e filosófica da humanidade para embasar seu argumentos, e fala a importância que a religião teve no desenvolvimento da (suposta) moralidade como forma de controle das ações humanas nas sociedades. Durante nossa evolução, a reputação em sociedade sempre foi historicamente mais importante do que a verdade, e isso nos influencia até hoje, principalmente na política e na religião.


O livro traz estudos com fundamentos de neurociência que comprovam o seguinte: primeiro fazemos nossos julgamentos baseados em nossa vivência, de forma instintiva e emocional (e não racional), e posteriormente buscamos (somente) evidências que confirmem esses prejulgamentos. Eis a atuação dos vieses cognitivos, que são atalhos mentais que o cérebro usa para tornar as decisões mais rápidas e que levam a muitos erros de percepção e de raciocínio e a uma espécie de miopia da realidade. Os mais comuns (e presentes em todo ser humano!) são o viés da confirmação e o viés do tiro pela culatra.


O viés da confirmação é a tendência humana de procurar somente informações e dados que confirmem sua opinião já formada, ignorando ou rechaçando todas as contrárias, e o viés do tiro pela culatra (também chamado efeito backfire) é a tendência de defender e se agarrar às próprias convicções e, mesmo se confrontado com dados que evidenciam o contrário, ao invés de refletir sobre sua opinião, cria uma resistência ainda maior e passa a acreditar ainda mais fortemente no seu ponto de vista. Isso acaba levando à polarização e aos extremismos, pois são atos puramente automáticos, instintivos, inconscientes e irracionais. è o cavalo comandando o condutor. A pessoa que age sob esses efeitos não os percebe porque eles se dão no nível do inconsciente, e não do consciente racional. O nosso mecanismo de distorção da realidade (os vieses cognitivos) é muito forte: é como se contássemos mentiras para nós mesmos para encobrir os vieses e distorções da nossa mente.


Robert Mnookin, que foi meu professor de negociação da Universidade de Harvard, associa esses vieses ao que ele chama de tribalização (viés endogrupal = tendência humana de se associar a grupo que pensa da mesma forma e demonizar o grupo que pensa diferente), demonização (viés do erro de atribuição = tendência de enxergar o outro lado como “mau” e o seu como o lado “bom”) e armadilha do chamamento à batalha (tendência de chamar e mobilizar seu lado, sua tropa, para uma luta “justa” e “moral” numa “missão contra o mal”. Conforme Mnookin, todos esses vieses estão umbilicalmente ligados à mente moralista e à hipocrisia: a tendência de ver o outro lado como inteiramente “em falta” enquanto o seu é ético, moral e digno. E essa “tendência moralizante” só é direcionada para o outro lado, nunca para seu próprio grupo.[3]


Mesmo que a tarefa de simpatizar-se com indivíduos que tenham uma moralidade diferente da nossa seja uma tarefa muito difícil, a discussão - mesmo com argumentos racionais -, não levará a nenhuma mudança de pensamento/ação do outro, porque ativa nele ainda mais os vieses cognitivos que reforçam sua convicção inicial, agravando a polarização. Aliás, essa é a mesma raiz de todo tipo de conflito, em qualquer área (e não só na política). Por isso negociações para resolução de conflitos são tão difíceis de conduzir.


O livro de Haidt mostra que eleitores politicamente fanáticos são tão viciados nos seus argumentos (sim, isso ocorre no cérebro da mesma forma que o vício do cigarro, drogas e outros vícios), e têm de fazer tantas contorções mentais para tentar justificá-los racionalmente, que consideram as crenças contrárias à sua um absurdo. A neurociência explica por que é tão difícil haver debate com os fanáticos: é o viés da confirmação atuando, de modo o indivíduo já tem uma ideia pré-concebida sobre algo e não faz nada além de buscar (quaisquer) justificativas possíveis para confirmar o que pensa.


Haidt afirma em seu livro que “a moralidade cega” os indivíduos, juntando-os em grupos que “lutam uns contra os outros como se o destino do mundo dependesse do seu lado vencer essa batalha”. O livro traz muitos argumentos para entender o antagonismo do momento político atual. Não cabe num resumo tudo que o livro tem a oferecer e mais do que isso seria spoiler.


O antagonismo e a hostilização existem porque é impossível enxergar o todo. Toda visão humana é parcial, limitada e enviesada, e é por isso que a chance de alguém estar 100% certo sobre algo é nula. É assim que o cérebro humano funciona: o meu, o seu e o do mundo. Não só os dos iranianos e israelitas.





[1] Mais sobre o tema: ler o livro “Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar”, de Daniel Kahneman. [2] Veja como isso leva à escalada de um conflito: https://www.negociaojuridica.blog/post/como-a-escalada-do-conflito-desce-ladeira-abaixo








 
 
 

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