SOLUÇÕES CONSENSUAIS DE CONFLITOS CHEGAM AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
- Rochelle Jelinek

- 1 de set. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 2 de set. de 2020
A Resolução n.º 697/2020 trouxe protagonismo para os métodos autocompositivos
Rochelle Jelinek
@negociação_jurídica

No dia 10 de agosto, entrou em vigor a Resolução nº 697/2020, no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF). A medida inovou ao criar o Centro de Mediação e Conciliação (CMC), que tem por objetivo evitar a protelação de casos sujeitos à competência da Suprema Corte e utiliza a via das soluções consensuais de conflitos como meio alternativo.
Ao Centro de Mediação e Conciliação competirá buscar solução de questões jurídicas sujeitas à competência do STF que, por sua natureza, permitam solução pacífica por meio de autocomposição, seja na atividade pré-processual ou durante o curso do processo. Se, anteriormente, acreditava-se numa lenta evolução dos processos autocompositivos, a criação do CMC simboliza o primeiro passo para a institucionalização das práticas colaborativas e consensuais dentro da mais alta instância do Poder Judiciário.
A novidade gera muito valor para os métodos autocompositivos de resolução de litígios que, desde 2015, se destacam pela previsão no Código de Processo Civil e na Lei da Mediação e vêm sendo cada vez mais utilizados e difundidos no Brasil. Em outros países de sistema common law, como nos Estados Unidos, as técnicas de Justiça Negociada já são amplamente utilizadas há mais de 20 anos. Tais metodologias surgiram como alternativa a um Judiciário sobrecarregado de litígios, com altos custos, e sem forças para suportar maiores expansões.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, após o CPC de 2015 dar lugar de destaque à mediação e à negociação (art. 334), houve, no mesmo ano, um aumento de 80,7% no número de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs) criados. Isto é, desde 2015, os métodos autocompositivos vêm sendo mais explorados inclusive no âmbito judicial.
Logo no preâmbulo da nova Resolução percebe-se o intuito de efetivação de uma jurisdição multiportas. Porém, ainda que endossando o trabalho do Conselho Nacional de Justiça na criação e implementação dos CEJUSCs, a Resolução admite que núcleos de conciliação similares até então não eram aplicados à Suprema Corte, mesmo havendo possibilidade de realização de acordos em processos de competência originária ou recursal em trâmite no STF.
Uma importante inovação da Resolução é a viabilidade de peticionamento diretamente à Presidência do STF, requerendo a realização de audiências de mediação ou conciliação prévias à judicialização de conflitos de competência originária do Supremo Tribunal Federal. Esta possibilidade é uma prática já tradicional no direito francês, com efetiva aplicação no primeiro grau de jurisdição daquele país, e agora uma inovação no Brasil.
Contudo, seja em sede recursal ou em casos de análise de competência originária, ainda não se sabe qual será a efetividade dessa medida. Especialmente porque, no Brasil, a não judicialização dos conflitos de competência originária ou de recursos de competência da Suprema Corte retira do seu âmbito a interpretação das normas aplicáveis ao caso concreto, o que pode prejudicar a função uniformizadora dos entendimentos no Supremo Tribunal Federal.
Outro ponto merecedor de ponderação é a Resolução ressaltar e estabelecer que a atuação do mediador ou conciliador deve se dar de forma voluntária, imparcial e sem remuneração, não constituindo, portanto, vínculo empregatício, e não podendo acarretar despesas ao STF, além de ser considerada uma atribuição transitória. Designa, também, como possíveis conciliadores e mediadores temporários: ministros aposentados, magistrados, membros do Ministério Público, advogados e defensores públicos aposentados, servidores do Poder Judiciário e advogados. Nesse ponto, o STF apresenta a figura do mediador ou conciliador como não remunerada e ocupada não necessariamente por especialistas em Mediação/Conciliação/Negociação, se distanciando de práticas colaborativas de autocomposição que exigem uma maior qualificação de seus profissionais em novas habilidades não ligadas ao Direito, com conhecimentos de comunicação, psicologia, neurociência, administração, negócios, entre outras competências multidisciplinares.
Desse modo, mesmo que na Resolução do STF hoje não se destaque a qualificação dos integrantes do CMC, esse quadro pode mudar seguindo uma linha de aperfeiçoamento e especialização cada vez maior desses profissionais. E mais: se os representantes de ambas as partes, sejam elas públicas (como Ministério Público, Defensoria Pública, Procuradorias dos Estados e outros) ou privadas (representadas por seus advogados), dominarem as técnicas de negociação para buscar a solução via consenso, haverá um novo paradigma para solução dos conflitos.
A possibilidade de sessões de mediação e conciliação dentro da Suprema Corte é uma realidade recente no Brasil, mas já muito difundida nos países regidos juridicamente pela common law. A criação de um instituto similar no Judiciário brasileiro denota inovação e comprometimento com uma jurisdição multiportas. No entanto, é preciso atentar à regulamentação do tema, pois o pouco aprofundamento da Resolução, no que diz respeito ao investimento e capacitação dos profissionais e do Centro de Mediação e Conciliação, ainda revela incertezas quanto à efetividade desse novo instituto.
A negociação existe desde sempre dentro e fora do Direito. O acordo foi previsto formalmente desde o Código Civil de 1916. A conciliação está positivada no Código de Processo Civil desde 1973. E a justiça negociada foi inserida no âmbito penal em 1995 com a Lei 9.099/95. Porém, a disruptura e a quebra dos antigos paradigmas do litígio e do processo e a passagem para uma cultura não adversarial e colaborativa ainda são tarefa em construção.




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