VOCÊ MENTIRIA NUMA NEGOCIAÇÃO?
- Rochelle Jelinek

- 29 de nov. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 13 de dez. de 2020

Você diz que nunca mentiria durante uma negociação.
Seus padrões éticos são sólidos, certo?
Pensemos num exemplo: Imagine que, depois de passar meses procurando uma nova oportunidade, em função de sua experiência, você tenha recebido uma oferta atraente para atuar como diretor de uma empresa de advocacia em crescimento. À medida que as negociações prosseguem, o gerente de contratação pergunta se você tem alguma outra oferta em jogo. Você não tem, mas afirma possuir "várias ofertas interessantes para avaliar". Quando o gerente pressiona por detalhes, você diz a ele que as outras propostas são “significativamente mais altas” do que a feita pela empresa dele.
Embora as negociações salariais sejam situações de barganha intensas e de alta pressão, você não tinha intenção de enganar um possível empregador ou parceiro e pode nem ter percebido que estava se envolvendo em estratégias de negociação enganosas. Então, por que você fez isso? A ética nas negociações pode trazer à tona muitos cenários inimagináveis.
Identificamos aqui quatro impulsos que podem tentá-lo a se comportar de maneira antiética ao negociar e sugerimos maneiras de superar essa influência. Apesar de suas melhores intenções, uma ou mais dessas quatro forças podem desafiar seu comportamento nesse momento.
Desafio ético de negociação nº 1: a atração da tentação
A pesquisadora Ann E. Tenbrunsel, uma das autoras do livro “Antiético, eu?”, em um de seus estudos, pediu aos participantes que desempenhassem o papel de sócios em uma empresa que estava sendo dissolvida. Eles foram solicitados a fornecer estimativas “honestas” da participação de mercado de seus produtos para ajudar a determinar como dividir o patrimônio da empresa entre os dois sócios. Alguns participantes foram informados de que, se tivessem mais ações, eles receberiam U$ 1 por cada; a outros foi dito que, nessa mesma hipótese, receberiam US$ 100 por cada. Aqueles para os quais foi prometido apenas U$1 deturparam suas estimativas “honestas” em 41% das vezes. Em contraste, aqueles para os quais foram prometidos U$ 100 deturparam suas estimativas em 69% das vezes. A recompensa maior proporcionou uma tentação significativa de mentir.
Da mesma forma, quanto maior o suborno, maior a probabilidade de aceitá-lo, descobriram Harvey Hegarty - da Universidade de Indiana - e Henry Sims, da Universidade de Maryland, em um estudo realizado sobre o tema. No Brasil, parece ser exatamente assim: os padrões éticos são mais fluidos do que gostaríamos de acreditar.
Isso nos remete às negociações envolvendo corrupção. Quanto maior a vantagem oferecida, maior a probabilidade de conduta antiética a impulsionar o aceite do suborno e a ocorrência de mentiras que envolvem esse tipo de negociação.
Desafio ético de negociação nº 2: a atração da incerteza
A incerteza aumenta a probabilidade de as pessoas se tornarem antiéticas.
Em outro estudo, analisando a situação acima descrita envolvendo dois sócios, Tenbrunsel levou os negociadores a estarem bastante certos ou bastante incertos sobre a estimativa honesta da participação de mercado de seus produtos. Em vez de fornecer avaliações mais cautelosas, os negociadores incertos, na verdade, forneceram dados mais agressivos e menos honestos do que o grupo mais confiante. Parece que a incerteza sobre a possibilidade de uma proposta melhor pode aumentar a probabilidade de você alegar falsamente ter outras ofertas.
Desafio ético de negociação nº 3: o poder da impotência
“O poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe de maneira absoluta”, disse o historiador Lord Acton, embora estudos mostrem que a falta de poder seja mais capaz de nos levar a um comportamento antiético.
Considere que alternativas externas ao acordo (BATNA) são uma forte fonte de poder nas negociações. Em sua pesquisa, Tenbrunsel e David Messick, da Northwestern University, descobriram que a falta de opções externas aumentava o engano do negociador. Em um estudo, os participantes atuaram como empresários negociando com clientes potenciais. Quando os empresários eram informados de que tinham relativamente poucos clientes em potencial, era mais provável que deturpassem as informações do que quando eram comunicados de que tinham muitos. Não admira, então, que um candidato a um emprego sem outras ofertas sólidas fique tentado a alegar que tem múltiplas.
Desafio ético de negociação nº 4: vítimas anônimas
Suponha que sua negociação de trabalho seja com várias pessoas - um recrutador, o gerente de recursos humanos, o presidente da empresa e o diretor de vendas. Ao negociar com este grupo, é mais provável que você minta do que ao negociar com uma só pessoa, sugere uma pesquisa realizada pelo pesquisador Charles Naquin, da Universidade DePaul. Os participantes foram confrontados com um dilema ético com a possibilidade de mentir para o oponente. Para metade dos participantes, esse adversário era um indivíduo e, para a outra metade, esse adversário era representado por um coletivo. Aqueles que se defrontaram com um grupo oponente composto de várias pessoas, mentiram a elas em 73% das vezes; já os que o fizeram diante de uma única pessoa, mentiram apenas em 36% dos casos.
Os negociadores percebem as interações grupais como menos pessoais do que as concretizadas com os indivíduos. Com essa percepção, eles acreditam poder justificar o aumento do comportamento antiético, seja sendo parte de um grupo e usar este como escudo, seja tendo que negociar com um grupo do outro lado.
No país em que o "jeitinho brasileiro" é a regra, a ética é um grande desafio.
Quanto à escolha da opção, ela é solitária e sim, muitas vezes difícil. Pertence a cada um de nós. Só existe ética em liberdade.
No artigo "como ligar com mentiras" eu falo um pouco mais sobre o assunto, clica para ler: https://www.negociacaojuridica.com/post/lidando-com-mentiras




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